INFORMAÇÕES SOBRE A MUSA
Musa pegou no meu braço. Apertou.
Fiquei excitadinho pra mulher.
Levei ela para um lugar ermo ( que eu tinha que fazer uma
lírica ):
- Musa, sopre de leve em meus ouvidos a doce poesia,
a de perdão para os homens, porém... quero seleção,
ouviu?
- Pois sim, gafanhoto, mas arreda a mão daí que a hora
é imprópria, sá?
Minha musa sabe asneirinha
Que não devia de andar
Nem na boca de um cachorro!
Um dia briguei com Ela
Fui pra debaixo da Lua
E pedi uma inspiração:
- Essa Lua que nas poesias dantes fazia papel
principal, não quero nem para cavalo; e até logo, vou
gozar da vida; vocês poetas são uns intersexuais...
E por de japa ajuntou:
- Tenho uma coleguinha que lida com sonetos de dor
de corno; por que não vai nela ?
Manoel de Barros
POESIA COMPLETA
CAMINHO - 2011
"... faltam-me as vísceras de fora quando as palavras se deixam antever. " in Memórias Internadas
30.3.12
28.3.12
Friedrich Hölderlin - FRAGMENTOS DE PÍNDARO
A idade
Quem de forma justa e sagrada
Passa a vida,
Docemente alimentando-lhe o coração,
Longa vida criando,
A esse acompanha-o a esperança, que
À maioria dos mortais
Rege a tão versátil opinião.
Uma das mais belas imagens da vida, o modo como os costumes
inocentes preservam o coração vivo, de onde nasce a esperança;
esta concede então também à simplicidade um florescimento, com
as suas diversas tentativas, e torna ágil o sentido, e tão longa a vida,
na sua demora precipitada.
Quem de forma justa e sagrada
Passa a vida,
Docemente alimentando-lhe o coração,
Longa vida criando,
A esse acompanha-o a esperança, que
À maioria dos mortais
Rege a tão versátil opinião.
Uma das mais belas imagens da vida, o modo como os costumes
inocentes preservam o coração vivo, de onde nasce a esperança;
esta concede então também à simplicidade um florescimento, com
as suas diversas tentativas, e torna ágil o sentido, e tão longa a vida,
na sua demora precipitada.
Friedrich Hölderlin
FRAGMENTOS DE PÍNDARO
tradução, notas e posfácio
BRUNO C. DUARTE
ASSÍRIO & ALVIM
26.3.12
COBRA | O espelho é uma chama cortada, um astro . herberto helder
O espelho é uma chama cortada, um astro.
E há uma criança perpétua, por dentro, quando se vive em recintos
cheios de ar alumiado. De fora, arremessam-se
às janelas
as ressacas vivas dos parques. Ela toca o nó
do espelho de onde salta
uma braçada de luz. Cada lenço que ata,
a própria seda do lenço
o desata. E o rosto que jorra do espelho
volta aos centros
arteriais.
Todos os anos fundos, essa extensa criança
sente brotar da terra como árvores
do petróleo
a peste bubónica, fina na temperatura, alastrada nos bordados
das paredes ou nas crateras da cama. Os lençóis
nascem do linho que trepida
no abismo da terra, das sementes abraçadas pelas ramas
das nebulosas.
É perfeito o espelho quando apanha
um rosto nuclear.
Morre-se muito mais em cada doença, nesses
apartamentos que as noites sufocam
nos braços de mármore.
A energia das jóias.
O nó do sexo no espelho, as chamas agarradas
entre o umbigo e o ânus.
Esse trabalho da claridade quando as válvulas
se destapam
Correntes atómicas passam de lado a lado.
E ficam os buracos furiosos por onde o mundo
sopra
um meteoro a jacto, uma cara.
Os jardins deslocam-se através de si próprios
com as centelhas, defronte
das planas constelações dos espelhos.
E então, na assimetria severa, ela amaria
transformar-se,
súbita e solar - equinocialmente no espelho o relâmpago
côncavo do girassol
espacial. Que sai assim do corpo: os filões arrancados
desse mesmo espelho.
E ela imagina na teia de fogo a argila que se transmuda
em porcelana: a curva labareda de uma chávena
expelida dos fornos.
E entre guardanapos, da mesa à boca,
arde em seu anel de estrelas metalúrgicas
a colher em órbita
- a assombrosa força terrestre da chávena.
E a infância desaparece nas funduras das casas,
com os electrões fechados.
herberto helder
POESIA TODA
ASSÍRIO&ALVIM 1990
20.3.12
HISTÓRIA DE UMA DOENÇA . CHARLES TOMLINSON
.
III
Palpitando nas palavras?
O verso não sabe
onde a doença se torna dança
nem a pode repetir:
é esta a dádiva
com que não contava:
por mim nunca a escolheria,
nem a posso enjeitar:
rodopiando e dançando,
ou assim parece -
a despeito da dupla
violência de luz e de sonhos:
este é o anjo com a espada
a cintilante palavra de dois gumes
uma hesitação à entrada
do Éden, tarde, ou cedo.
CHARLES TOMLINSON
Poemas
Selecção e tradução
de GUALTER CUNHA
Cotovia - 1992
III
Palpitando nas palavras?
O verso não sabe
onde a doença se torna dança
nem a pode repetir:
é esta a dádiva
com que não contava:
por mim nunca a escolheria,
nem a posso enjeitar:
rodopiando e dançando,
ou assim parece -
a despeito da dupla
violência de luz e de sonhos:
este é o anjo com a espada
a cintilante palavra de dois gumes
uma hesitação à entrada
do Éden, tarde, ou cedo.
CHARLES TOMLINSON
Poemas
Selecção e tradução
de GUALTER CUNHA
Cotovia - 1992
14.3.12
11.3.12
O fio da fábula . Jorge Luis Borges
.
O fio que a mão de Ariadne deixou na mão de
Teseu (na outra estava a espada) para que este se
aventurasse no labirinto e descobrisse o centro, o
homem com cabeça de touro, ou como pretende
Dante, o touro com cabeça de homem, e o matasse
e pudesse, já executada a proeza, desentrelaçar as
teias de pedra e voltar para ela, para o seu amor.
As coisas aconteceram assim. Teseu não podia
saber que do outro lado do labirinto estava o outro
labirinto, o do tempo, e que em algum lugar de
antemão fixado estava Medeia.
O fio perdeu-se, o labirinto perdeu-se também.
Agora nem mesmo sabemos se nos rodeia um labirinto,
um secreto cosmos ou um caos imponderável. O nosso
mais grato dever é imaginar que há um labirinto e
um fio; talvez o encontremos e o percamos num acto
de fé, numa cadência, no sonho, nas palavras que se
chamam filosofia ou na mera e simples felicidade.
Cnossos, 1984
JORGE LUIS BORGES
Os Conjurados
DIFEL . 1985
9.3.12
Ensaios fotográficos . Manoel de Barros
O PROVEDOR
Andar à toa é coisa de ave.
Meu avô andava à toa.
Não prestava pra quase nunca.
Mas sabia o nome dos ventos
E todos os assobios para chamar passarinhos.
Certas pombas tomavam ele por telhado e passavam
as tardes frequentando o seu ombro.
Falava coisas pouco sisudas: que fora escolhido para
ser uma árvore.
Lírios o meditavam.
Meu avô era tomado por leso porque de manhã dava
bom-dia aos sapos, ao sol, às águas.
Só tinha receio de amanhecer normal.
Penso que ele era provedor de poesia como as aves
e os lírios do campo.
MANOEL DE BARROS
POESIA COMPLETA
CAMINHO 2011
Andar à toa é coisa de ave.
Meu avô andava à toa.
Não prestava pra quase nunca.
Mas sabia o nome dos ventos
E todos os assobios para chamar passarinhos.
Certas pombas tomavam ele por telhado e passavam
as tardes frequentando o seu ombro.
Falava coisas pouco sisudas: que fora escolhido para
ser uma árvore.
Lírios o meditavam.
Meu avô era tomado por leso porque de manhã dava
bom-dia aos sapos, ao sol, às águas.
Só tinha receio de amanhecer normal.
Penso que ele era provedor de poesia como as aves
e os lírios do campo.
MANOEL DE BARROS
POESIA COMPLETA
CAMINHO 2011
Coisas sensíveis em equilíbrio - MANUEL ZIMBRO
...
o que quer que seja só pode ser abordado segundo um aspecto,
e, segundo esse aspecto é registado na memória.
é impossível abordar e registar completamente uma Coisa, apenas se regista uma parte;
aquela que importa ou que convém.
daí que, mesmo útil, todo o registo seja parcial.
...
história secreta da aviação
notas com gravidade para pôr em orbita uma aspiração comum
SHINGEN MANUEL ZIMBRO
PORTA33
Ilha da Madeira - 1997
o que quer que seja só pode ser abordado segundo um aspecto,
e, segundo esse aspecto é registado na memória.
é impossível abordar e registar completamente uma Coisa, apenas se regista uma parte;
aquela que importa ou que convém.
daí que, mesmo útil, todo o registo seja parcial.
...
história secreta da aviação
notas com gravidade para pôr em orbita uma aspiração comum
SHINGEN MANUEL ZIMBRO
PORTA33
Ilha da Madeira - 1997
5.3.12
.
longe,
as cinzas não se movem
[ só a memória é matéria de reconhecimento ]
caminho meio andado
uma leve brisa sem origem específica
[ ignoro a vida da natureza ]
mexe na superfície mais vulnerável
antes dos pés pisarem
já o corpo sopra
as partículas mais finas da vulnerabilidade
cinzas, corpo dos pés
a mesma forma de outra ignorância minha
.
longe,
as cinzas não se movem
[ só a memória é matéria de reconhecimento ]
caminho meio andado
uma leve brisa sem origem específica
[ ignoro a vida da natureza ]
mexe na superfície mais vulnerável
antes dos pés pisarem
já o corpo sopra
as partículas mais finas da vulnerabilidade
cinzas, corpo dos pés
a mesma forma de outra ignorância minha
.
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