"... faltam-me as vísceras de fora quando as palavras se deixam antever. " in Memórias Internadas

24.4.12

A fossa de mentirosos indelicados,... EZRA POUND


...


A fossa de mentirosos indelicados,
               paul de estupidezes,
estupidezes malévolas, e estupidezes,
o solo, pus vivo, cheio de bicheira,
larvas mortas gerando larvas vivas,
               donos de bairros de lata,
usurários espremendo piolhos, lacaios da autoridade,
pets-de-loup*, sentados em pilhas de livros petrificados,
obscurecendo os textos com filologia,
               escondendo-os sob as suas pessoas,
o ar sem refúgio de silêncio,
               a corrente de piolhos, o ganhar de dentes,
e acima disso o palrar de oradores,
               o arrotar-de-cu dos pregadores.
               E Invidia,
a corruptio o fœtor, o fungus,
animais líquidos, ossificações derretidas,
apodrecer vagaroso, combustão fétida,
               beatas mascadas, sem dignidade, sem tragédia,
....m Episcopus, acenando um preservativo cheio de baratas,
monopolistas, obstrutores do conhecimento,
               obstrutores da distribuição.


* Literalmente significando peidos de lobo, a palavra refere-se aos académicos


DO CAOS À ORDEM (VISÕES DE SOCIEDADE DOS CANTARES DE EZRA POUND)
EZRA POUND
edição bilingue - tradução e prefácio - Luísa M.L.Q. Campos - Daniel Pearlman
ASSÌRIO&ALVIM  1993



23.4.12

LIVRO DE PRÉ-COISAS - Roteiro para uma excursão poética no Pantanal . Manuel de Barros



PONTO DE PARTIDA


ANÚNCIO
Este não é um livro sobre o Pantanal. Seria antes uma
anunciação. Enunciados como que constantivos. Man-
chas. Nódoas de imagens. Festejos de linguagem.
    Aqui o organismo do poeta adoece a Natureza. De
repente um homem derruba folhas. Sapo nu tem voz
de arauto. Algumas ruínas enfrutam. Passam louros
crepúsculos por dentro dos caramujos. E há pregos pri-
maveris...
    ( Atribuir-se natureza vegetal aos pregos para que
eles brotem nas primaveras... Isso é fazer natureza.
Transfazer.)
    Essas pré-coisas de poesia


Manuel de Barros
POESIA COMPLETA
CAMINHO 2011

12.4.12

OS VIVENTES (1979) - Carlos Nejar

    NICANOR E SEU CAVALO


Nunca vi ninguém olhar
com tal ternura um cavalo
e um cavalo navegar
nos seus olhos, onde é mar
e o mar, apenas cavalo.


Nunca vi ninguém olhar
Nicanor naqueles olhos
que pareciam findar
onde os espaços se foram.
Nicanor sabia olhar
sem o menor intervalo
como se lhe fosse apanhar,
a toda brida, os andares.


E se podiam falar
num trote pequeno ou largo,
com rédea de muito amparo,
o corpo estando a montar
a eternidade cavalo.




Antologia Poética de Carlos Nejar
Prefácio, organização e selecção de ANTÓNIO OSÓRIO
Pergaminho 2003

10.4.12

A construção implicava um silêncio - António Ramos Rosa

.
A construção implicava um silêncio e um sono em que a origem se mantivesse envolta no pólen da sua inocência nativa. Sem veemência e sem precipitações, o construtor iria colocando as pedras ao ritmo da respiração e acariciando os ângulos que iria entrevendo como se estivesse a modelar um rosto de uma fragilidade extrema. No interior de um corpo vivo, que seria tanto seu como de um outro, a luz do horizonte iluminaria a penumbra da indizível sede e daria à sua casa o flexível equilíbrio de uma construção aberta à insondável germinação da terra.

O Aprendiz Secreto
António Ramos Rosa

UMA EXISTÊNCIA DE PAPEL - quasi - 2001

1.4.12





todos os nomes devem ser escritos
sem dedução de significado
[ aqui, do outro lado, entre lados ]

a ar ou sangue sem a secura do acaso

[ respiro água composta de tudo e morro todos os dias ]

e um seixo é grande

quando a lágrima o visitar
[ nunca pedra maquinada ]
sem tempo aprazado 


ra in " Memórias Internadas "